quarta-feira, 8 de abril de 2015

TODO MUNDO GANHA

Muito mais que bananas – Ao percorrer o trecho da BR-101 no litoral do estado de São Paulo, que liga Praia Grande até Registro, o cenário é diferente. A água é abundante. À esquerda, o mar e a praia dominam as estações turísticas, os balneários frequentados por milhões de moradores da capital paulista na primavera e no verão – a principal fonte de renda dos municípios.
Foto do agricultor Antônio Isaías
Antônio Isaías “quebrou” com a produção de bananas. Hoje diversificou e vende hortaliças para programas do governo
À direita, cercada pelas montanhas que protegem os últimos resquícios de Mata Atlântica no país, estão as bananeiras, maior fonte de renda desta região no passado. O litoral sul paulista sempre teve destaque na produção de bananas, com grande aceitação no mercado externo, principalmente no Uruguai e na Argentina.
Nas últimas décadas, entretanto, o produto perdeu mercado, e os agricultores familiares tinham dificuldade em pagar as dívidas. “Eu quebrei! Tinha cento e poucos empregados. Hoje, só tenho um”, conta Antonio Isaías dos Santos, 66 anos, nascido no Paraná e morador de Itanhaém desde os anos 80. “Em 96, perdi milhares de pés de banana. O vento derrubou tudo. Foram três anos seguidos. Ficamos sem saída, foi perda total”.
Em 2007, com recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a prefeitura inaugurou o Banco de Alimentos, experiência que se tornou um divisor de águas para a produção agrícola local. Apesar de ser entendida como uma política de redução do desperdício de alimentos, a iniciativa foi além na cidade do litoral paulista. Ao concentrar no equipamento a compra de merenda escolar e do PAA e com a implantação da Feira do Produtor em 2011, também com apoio do governo federal, a agricultura e a pesca local foram retomadas, a área rural foi valorizada e a autoestima dos produtores melhorou.
“Todo mundo agora está investindo em hortaliças, palmito pupunha, está recomeçando a plantar, está diversificando”, explica Antonio Isaías. De dez anos para cá, ele montou sua horta e já consegue vender entre R$ 3 mil e 4 mil por mês. Boa parte é vendida para a prefeitura usar na merenda das crianças, por meio do Programa Nacional de Merenda Escolar. “Também estou entregando direto nos mercados, no sacolão, em seis restaurantes”, sorri.
A banana ainda é o carro-chefe, junto com a couve. E ele planeja expandir a produção. “Quero montar uma estufa e fazer produção hidropônica com alface, chicória e outras verduras”, conta. O cuidado com o produto é uma de suas marcas. “Para entrar no sacolão, tem que ser produto de primeira. O pessoal é mais exigente”.
Maximiano Gonçalves de Jesus, o seu Massur, 70 anos, também comemora o investimento que fez na diversificação da agricultura. Servidor público estadual aposentado e ex-vereador por duas vezes, ele mudou de vida há 16 anos e montou seu sítio, com a esposa e seus dois filhos. Tem 18 mil pés de palmito, todos produzindo, em dois alqueires de terra. Também planta abóbora, jiló, inhame, mexerica e jaca, além de criar galinhas.
No bar que montou na frente do sítio, onde os produtores da região se reúnem para conversar e tomar uma cerveja no final do dia, ele explica que o começo foi difícil. “Você plantava e não vendia. Um quilo de abóbora custava R$ 1 na cidade. E o atravessador comprava da gente por R$ 0,05. Hoje, a gente negocia o produto e entrega no Banco de Alimentos. Vendemos R$ 51 mil por ano para a prefeitura”, comemora, acrescentando que acaba de construir três tanques para a criação de tilápias e traíras. “No próximo ano, já começo a retirar os peixes para venda”.
Marcos de Jesus retornou para ajudar a família na produção: “Não me vejo mais morando em São Paulo”
Foto do produtor Marcos de Jesus
O filho do seu Massur, Marcos, e a esposa vendem toda semana os produtos na Feira do Produtor, que acontece aos sábados no estacionamento da prefeitura. Os agricultores familiares montam suas barracas, todas padronizadas. Lá, banana, palmito, manga, caju, tomate e abobrinha dividem espaço com as receitas diferentes feitas com os produtos, como brigadeiro e nhoque de banana, doce de leite fresco, bolo do coquinho do palmito pupunha e vinagrete de palmito.
Marcos voltou para Itanhaém depois de uma temporada em São Paulo. Quando a situação não estava boa, ele foi morar na capital paulista. Incentivado pelo pai e pelo PAA, voltou para Itanhaém para ajudar a família no sítio. “Não me vejo mais morando em São Paulo”, conta. Usa agora a experiência em vendas na área de telefonia celular para ampliar os resultados na feira. A barraca ganhou uma página no Facebook (www.facebook.com/barracadaveva). “Coloco lá o que a gente produz. O pessoal também encomenda: ‘deixa reservado para mim duas lasanhas, uns três quilos de palmito’. É muito bacana”.
A Feira do Produtor de Itanhaém também tem sua página própria no Facebook (www.facebook.com/feiraagricola.itanhaem), com mais de cinco mil amigos, e um blog (http://feirapopulardeitanhaem.blogspot.com.br). Quem gerencia e publica o conteúdo é a agricultora Patrícia Ricomini, 35 anos, casada e mãe de uma filha de nove anos. “Posto curiosidades, produtos que temos na feira. O pessoal acompanha e vem buscar”, conta. O canal também é importante para as vendas. “O pessoal pede pela internet, a gente passa o endereço por inbox e eles vêm buscar em casa, durante a semana. Já mandei produto para Itapecerica da Serra, São Paulo e Santos”.
A renda principal da família vem das vendas na feira, onde ela tem uma barraca desde 2011. Começou com doces, depois compotas. Há pouco, compraram uma desidratadora de banana. “Agora tenho as conservas, doces cristalizados, as farinhas, o brigadeiro de banana, bolachas e queijos”.
Curiosa e estudiosa, Patrícia também vende para a merenda: bolo de banana, banana passa e até farinha de banana verde, que “traz diversos benefícios para a saúde”. “Serve para colesterol, diabetes, triglicérides e prevenir câncer de intestino e a obesidade”, ensina. Ela continua investindo na diversificação. “Já estamos produzindo farinha de inhame, que reduz sintomas da menopausa e é anti-inflamatória, e de berinjela, que age no ácido úrico”.
Os pescadores também ganharam barracas. Há unidades em diversas praias da cidade, como em Balneário Gaivota, onde Vanderlei Barbosa, o Deco, pesca e vende. Aos 46 anos, o ex-mecânico de carros conta que a feira trouxe benefícios. “De quatro anos para cá, melhorou bastante. Trabalhamos com todo tipo de peixe: corvina, pescada, robalo, espada. Consegui investir num freezer para fazer uns congelados e em um barco melhor”.
Casado, explica que seus filhos ajudam na limpeza dos peixes em casa. “E todos estudam”, destaca. As vendas do verão são boas, devido aos turistas. No inverno, entregam o peixe para o PAA, uns 500 quilos, 600 quilos por ano. “Ajuda a gente a se manter”, explica.
Em breve, os produtores de Itanhaém terão um espaço permanente para as vendas. Uma nova sede do Banco de Alimentos será entregue no primeiro semestre de 2015. No local, terão barracas feitas de alvenaria, além de uma cozinha piloto para alimentos processados. O espaço abrigará também uma unidade de processamento de pescado, que vai permitir usar o produto para a merenda das crianças da cidade.
As histórias dessas duas cidades, tão distantes geograficamente, com culturas tão diferentes, têm em comum o desenvolvimento obtido com inclusão social. A articulação dos programas sociais e a ação integrada dos governos federal, estaduais e municipais permitiram que sua população voltasse a sonhar. E a acreditar que o país do futuro já é o Brasil do presente.
Texto: Márcio Leal
Reportagem: Luiz Cláudio Moreira

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